Almoço sozinho
Aprecio com clareza a primeira vez que faço uma comida decente.
Não há comemoração, pois não há o que comemorar.
Não me lembro de quando senti orgulho de mim.
Estou cansado.
Não durmo desde ontem e,
nessas ocasiões, frequentes, me sinto morrendo,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
Me sinto também ridículo,
por há pouco ter prestado papel vergonhoso
tentando não ser ridículo.
Almoço tarde e tenho de voltar a trabalhar.
Suco artificial. (Como a minha vida?)
Tenho de tomar os remédios que esqueci por lá.
O resto do líquido que, por impaciência, tomo no gargalo
se derrama em mim…
… Ridículo.
Tudo bem, me limpo e — por orgulho? — vou abrir outra caixa do suco
pra beber no gargalo
e me engasgo, cuspindo tudo pelo chão.
Me lembro de novo da moça do bar da rodoviária.
E penso nos trabalhadores na Construção do Chico.
Gente humilde.
Engasgando pela vida quando tentam buscar aquilo que querem.
Ridículos também.
O que há de mais vulgar em todos nós é o medo de sermos ridículos…
E o ter medo é ser ridículo.
E sob uma perspectiva negativa, incluir-se em “nós” também é ridículo.
E confessar ser ridículo não diminui o ser ridículo.
Ninguém entende ninguém. Tudo é interstício e acaso, mas está tudo certo.
Volto do me limpar lendo o livro que tem essas frases
e logo reencontro o prato de antes com os restos de comida,
esquecido em cima da mesa.